SÉRIE FATOS: O mundo desencantado

Nosso desencantado mundo, nossa crua realidade. Não sei se a vida imita a arte, mas, sei que hoje vejo a arte se valer da vida. No contexto atual assistimos fatos que revelam uma busca desesperada daqueles que têm o poder de influenciar a sociedade em impor uma nova moda que é a de trazer a ficção para a realidade, invertendo os papéis e fazendo daquilo que antes era só ilusão e entretenimento se tornar real ou o mais próximo disso. Talvez porque já faltem assuntos ou então, se cansou de tanta tragédia e acontecimentos tristes e sem beleza e se precise de novidades e de se criar pautas que atraiam o interresse das pessoas.   
Isso fica evidente se percebermos que os livros mais vendidos, os filmes mais assistidos e que os todos os outros meios de comunicação usam como pano de fundo fatos reais da vida e da história, empregando a realidade como ponto fulcral. Na literatura, são sucessos as biografias e livros de auto-ajuda, ou aqueles que narram histórias de aventura e superação, como a família que deu a volta ao mundo num barco, ou o alpinista que alcançou o pico mais alto do mundo, ou aquela pessoa que superou algo que era tido como impossível. No cinema, quantos filmes partiram de um fato verídico para narrar uma história fictícia. Na rede de computadores, os sites mais vistos são os que mostram imagens que flagram algo real, que ocorreu de forma espontânea, sem encenação. As pessoas estão cada vez mais céticas e fartas daquilo que não pode ser comprovadamente verdadeiro.
Por isso, nas últimas semanas assistimos três episódios dessa nova modalidade de arte, a arte pela vida e a vida pela arte. O primeiro foi o espetáculoso casamento real do prícipe William com a plebéia Kate Middleton, uma história verdadeira de um conto de fadas contemporâneo. O segundo fato foi à beatificação do Papa João Paulo II, a busca de se criar um santo moderno, uma entidade espiritual dos dias atuais. E por último, a morte de Bin Ladem, uma história de justiça, a saga da luta do bem contra o mal.
A larga cobertura pela mídia do casamento de um príncipe herdeiro do trono da Inglaterra, mostrando pessoas dormindo em frente à basílica onde ocorreu o casamento, a repercussão dos detalhes da cerimônia, o modelo do vestido da noiva, a história de como se conheceram, transmissão ao vivo das bodas, enfim, toda a exagerada exposição de um acontecimento tão desimportante para a sociedade mundial. Sim, não tem nenhum valor tal fato para os demais países do mundo, tendo em vista que o modelo monarquista é um sistema ultrapassado e foi substituído na grande maioria das nações, e mesmo no reino unido, a famílai real não é, se não apenas por tradição, a base forte do poder. Até mesmo economicamente, a família real inglesa não é algo que fortaleça as contas, pelo contrário onera a máquina goveranemental. E por que então, tanta pompa para esse casamento? Vale lembrar que o príncipe Willian nem mesmo é o primeiro a herdar o trono quando da saída de sua avó, a rainha, seu pai Charlie é quem deve herdar o trono. Mas isso é outro problema já que a Rainha mãe não mostra sinais de que vá sair tão cedo do poder. E Kate, a plebéia, que não é nenhuma “gata borralheira”, nenhuma pobre menina, aliás nem pobre e nem menina, seus pais são ricos empresários e ela estudou na mesma faculdade do príncipe, sendo lá que se conheceram e que começaram a namorar e até moraram juntos e viveram como um casal normal, sem aquelas idéias pueris de virgindade e se guardarem para o casamento. O próprio Willian não fica no palácio a cavalgar e treinar para assumir o trono, ele é um oficial das forças armadas e tem que pilotar seu helicóptero como qualquer outro militar que tem sua função e responsabilidade. Enfim, nada de encantado ou mágico. Mesmo assim, vimos pessoas cultas se deixarem enredar por essa atmosfera de conto de fadas para testemunharem, mesmo que de longe, nas ruas uma história de príncipe e princesa, igual a que ouviram desde criança.
Outro fato foi à beatificação de João Paulo II, o papa polonês, líder da igreja católica falecido recentemente. Desde a grande comoção por sua morte até a escolha do seu sucessor há uma busca por se santificar a imagem desse líder católico. Houve uma grande procura por evidências de milagres e sinais de sua divindade. Isso ocorre porque há uma enorme necessidade de se criar uma entidade religiosa mais próxima dos dias atuais, alguém que não se tenha como contestar cientificamente sua existência; aliado a isso, há a luta da igreja católica de sobreviver a crescente fuga de membros para outras religões ou mesmo para o ceticismo, além de se tentar melhorar a imagem da instituição depois dos escândalos de pedofilia e abusos sexuais por parte de seus membros. Outro fator da aceitação de João Paulo como santo, parte mesmo dos próprios católicos e de outras pessoas que sentem cada vez mais a necessidade de crer em algo, de se apegar a uma figura concreta para basearem sua fé, fé essa cada vez mais diluída pelas constantes tentativas dos cientistas de provarem que não se pode ter fé em nada ou dos céticos que usam os meios de comunicção para mostrar que toda forma de fé só conduz ao caos e assim levar o mundo a ser um local de pessoas de vidas vazias, sem esperança. Tal postura é bastante incoerente para nossos dias, pois cada vez mais é evidente que as pessoas precisam voltar a ter fé, ter mais esperança e ser menos racionais.
Por fim, a notícia do assassinato de Osama Bin Laden por militares dos EUA, fato retratado como uma aventura de perseguição e busca por justiça que terminou com a vitória do bem sobre o mal. Mas que na realidade só revela uma triste faceta da nossa sociedade. Vivemos num mundo de manipulação das informações e de intolerância. Os atos terroristas executados por Osama e al-Qaeda não se justificam de forma alguma. Assassinato de pessoas inocentes em nome do que for não é justo e evidentemente é algo irracional e criminoso que deve ser combatido, e todos os que cometerem tais atos devem ser julgados e condenados. Mas o que levou a tais acontecimentos? Todo início dos atos terroristas até o desfecho com a morte de Bin Laden, quantas vidas inocentes não foram usadas como massa de manobra de interesses políticos nessa guerra entre os EUA e os muçulmanos? Mais uma vez é evidente o uso do recurso da violência e da força com interesses políticos. A morte do lider da al-Qaeda ocorre num momento propício para os EUA. O presidente Obama encontrava-se em pleno início de campanha de reeleição, porém, com baixa popularidade e toda a esperança depositada nele, de salvação da economia americana se encontrava frustrada e havia grande crescimento da força da oposição. Porém, nacionalistas que são todos nos EUA sabem que têm que se unirem para salvar o seu país e consequentemente seus interesses. Então, surge nesse momento à notícia da morte de Bin Laden, o terrotirista que planejou e ordenou os ataques de 11 de setembro. O “vilão” foi morto, os americanos mortos nos atentados finalmente foram vingados. Alegria nas ruas. Obama então cresce em popularidade, é aplaudido de pé toda vez que aparece. Sua campanha eleitoral dá um salto para cima e fica evidente que será reeleito, isso será bom para a economia, para o povo americano e para outros interesses pelo mundo. Vimos novamente a máquina funcionar em favor dos grandes interesses e a massa popular ser empurrada de acordo com a manobra que se quer.     
No mundo contemporâneo não há mais espaço para ilusões pueris. O mundo encantado, as histórias e contos de fadas e a inocência das ilusões de criança estão perdidas e ganharam uma nova modalidade. As pessoas estão enjoadas do que já ouviram, querem emoções mais fortes, querem novas formas de verem a vida. Querem histórias reais, mais próximas daquilo que vivem, querem ser parte e não expectadores. Todos querem ser algo nesse filme da vida, herói ou vilão, enfim ser famoso, fazer parte de forma contundente. Isso torna todos verdadeiramente e ao mesmo tempo leitores, consumidores, escritores e personagens da história do mundo contemporâneo atual. Todos são agentes e pacientes, vítimas e vilãos. Usa-se o poder de ilusão e os efeitos visuais e tecnológicos como forma de convencimento sobre as pessoas. Com isso, nos tornamos escravos da informação, manipulados pela mídia e lobotizados pela nossa própria tecnologia. Seres pensantes controlados por aquilo que mesmo criou. Inocente e culpado por sua própria alienação. É preciso acordar ou pelo menos ter consciência do nossso estado, da nossa condição. A saída pode estar em contrariar a moda em voga, fazer diferente do modelo que nós mesmos nos impomos como padrão do que é certo. Com por exemplo, ter fé e crer em algo, simplesmente porque sentimos e queremos acreditar. Ter esperança e ser puros e inocentes, se isso nos fizer bem. Por exemplo, agora, simplemsnte pegar um livro para ler, um livro de ficção, uma história verdadeiramente inventada, criada por uma mente só para o meu entretenimento, porque a verdadeira verdade ainda está sendo criada.

Alex Gomes
15 maio 2011

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