Carine chora!



 Carine abre seus lindos grandes olhos do mais claro castanho! Olha ao seu redor e como quem desperta de uma ressaca busca em sua mente se situar, lembrar onde está e como chegou até ali. Então se lembra, está na casa de Eliandro, um antigo amigo que encontrou na noite passada quando voltava para casa. Sorri, um pouco incrédula por mais um desatino de sua vida. Espreguiça-se e lembra de quando conheceu Eliandro. Ela tinha quinze anos, ele um pouco mais velho, dezoito, desajeitado, não era bonito e se vestia de forma extravagante com blusões coloridos e floridos sempre pra fora da calça. Áureos tempos, Carine lembra que mesmo tão nova já vivia a plenitude de sua beleza que desabrochara, seu corpo já estava definido, alta e com seus cabelos castanhos compridos, já chamava a atenção onde quer que passava ou chegava. Sua beleza era tamanha que chegou a ter sua imagem exposta em revistas de moda e campanhas publicitárias. Conheceu Eliandro, a quem chamava de Andro, numa apresentação de teatro, em que o encontrou sentado ao lado de um amigo em comum. Após as apresentações habituais os dois sentaram juntos e logo surgiu entre eles uma grande empatia. Carine, muito irônica satirizava tudo que via ou achasse engraçado. Começou por rir de uma senhora que passava de cabelos esvoaçados e de cor avermelhada, isso foi motivo de um comentário dela que arrancou um sorrriso de Eliandro. Logo em seguida ela desatou a rir e apontou ao novo amigo a cena irreverente à sua frente, uma mulher que tinha a saia presa a cadeira deixava transparecer a sua calcinha, Carine não deixou esse fato passar em branco e engatou um comentário sarcástico: “Andro, olha só a ceroula que a mulher está usando!”. Os dois riram e ele achou interessante aquele mulherão que mal conhecera, já tão à vontade com ele, e de tão íntimo até lhe dera o apelido carinhoso “Andro”. Ele, inicialmente ficara inibido ao lado daquela menina-mulher tão bela, mas aos poucos foi se soltando e em questão de minutos os dois já pareciam dois velhos conhecidos. Ao final do espetáculo trocaram telefone e endereço e a promessa de se verem sempre. Não demorou para a amizade ganhar força. Eliandro passou a visitá-la em seu apartamento, conheceu sua mãe que logo gostou dele por causa de sua educação e simpatia. Carine dizia que ele compensava sua falta de beleza com o seu bom humor, respeito e a conversa inteligente. Eliandro, como a maioria dos homens que se aproximavam de Carine, era fascinado por sua beleza e ela sabia disso e tirava o máximo proveito dessa situação. Fingindo-se de inocente deixava-se levar pelos galanteios de Eliandro e este acreditando que um dia teria alguma chance, a agradava de todas as formas. Quando Andro se dava conta de que Carine nada queria com ele, ele sumia, mas bastava um encontro ou telefonema e lá estava ele de volta com as mesmas atitudes de vassalagem de antes.
Perdida nessas lembranças, Carine se levanta da cama e então se dá conta de que veste um calção e uma camiseta de Eliandro e lembra-se de tudo que aconteceu. Voltava sozinha para casa onde está morando, estava em um ônibus, havia tomado algumas cervejas e não quis sair com Renato, um carinha com quem ela está saindo. De repentre reconheceu o homem que passava pela roleta, e ele a reconheceu, era Eliandro. Por sorte o banco ao seu lado ficara vago e os dois começaram a conversar. Carine pegara o coletivo errado e o encontro foi uma dessas sortes do destino. Como ela estava perdida e um pouco fora de si por causa da bebida, ele resolveu descer junto com ela em um ponto onde ela poderia pegar outra condução que a levasse até sua casa. Porém, era madrugada, não havia mais transporte coletivo circulando. Mal intencionado, Eliandro conseguiu convencê-la de ir para sua casa. Em sua casa ele deu a ela uma toalha para ela tomar um banho e uma roupa sua para ela se trocar e poder dormir, um calção curto e uma camiseta larga, e cedeu também sua cama para ela dormir aquela noite. Ele pegou um lençol e um travesseiro para dormir na sala. Carine não estava com sono e pediu que ele ficasse deitado ao seu lado até que pegasse no sono. Os dois ficaram conversando e ela contou toda história desses últimos anos de sua vida, pois, a última vez que ele a encontrara, ela estava casada. Pois bem, ela contou que o casamento dela rendeu dois filhos, porém, seu marido que era dono de uma padaria, faliu e a falta de dinheiro gerou uma crise que somado às brigas e o consumo excessivo de bebidas alcoólicas culminaram com a separação. Carine contou tudo e revelou que estava envolvida com um homem casado que prometia deixar a mulher para ficar com ela, mas nunca cumpria essa promessa, só queria a levar para o motel. Eliandro se surpreendeu em ver a musa da sua juventude tão perdida na vida, não acreditava que a menina mais bonita que conhecera, aquela que poderia ter escolhido o homem que quisessse para casar ou mesmo seguir uma carreira artística ou de modelo, acabasse daquele jeito. Ela acabou por dormir e ele também, ao seu lado. De madrugada, numa dessas mudanças de posição que se realiza enquanto se dorme, seus corpos se tocaram, despertaram do sono e o desejo e então se amaram.
Pela manhã, Eliandro acordara para ir trabalhar. Antes de sair ainda olhou por uns instantes para a mulher deitada em sua cama, um misto de alegria e tristeza tomou conta de seus sentimentos. A Carine deitada a sua frente pouco lembrava a musa dos seus sonhos de adolescência. Trazia no seu corpo a marca dos desgastes e sofrimentos. Suas pernas marcadas, seus olhos enrrugados, uma barriga flácida, resultado dos dois partos dos seus dois filhos e das muitas cervejas, além de uma tatuagem nas costas. Mas, era o mesmo rosto, o mesmo sorriso e os cabelos longos que tanto sonhou em afagar e que naquela noite foram seus.
Carine ligou para Eliandro e este mandou que ela ficasse à vontade e quando saísse deixasse a chave em baixo do xaxim. Ela tomou um café e comeu um pão, tomou um banho e se olhando no espelho começou a se examinar e refletir sobre esse momento. Foi então que se dera conta de que passara a noite com outro homem diferente, ainda que conhecido, mas fizera sexo e tivera seu corpo possuído e usado mais uma vez sem compromisso, sem sentimento. Riu e disse pra si mesma: “Quem diria que um dia o Eliandro, aquele “bobo” e “feinho” que eu tanto iludi, iria me comer?!”.
Após trocar de roupa correu suas vistas a casa, pegou alguns objetos de valor como relógio de pulso, cordão e pulseiras de ouro e um dinheiro que Eliandro deixara numa gaveta e foi para sua casa.
À noite, Eliandro voltou pra casa e encontrou um bilhete de Carine que dizia:

“Andro,

Obrigado por me deixar dormir na sua casa. Espero que tenha gostado da noite. Quem diria que iríamos nos reecontrar nessas circunstâncias. Pelo menos você realizou seu sonho de me pegar, mesmo que eu não seja mais aquela que eu era quando você me conheceu. Espero que você não confunda as coisas, foi só um momento, uma noite. Minha vida está muito confusa. Como te disse estou envolvida com um outro alguém. E tem mais uma coisa que eu não te falei, é que estou grávida dele e não sei o que vou fazer. Mas deixa pra lá, isso não é problema teu. Bem, beijos e até qualquer dia!

Sua Carine.”

Eliandro sentiu-se estranho em uma mistura de tristeza e alívio ao mesmo tempo. Em seguida ao olhar em volta descobriu que o dinheiro que deixara em casa para algumas despesas havia sumido, assim como alguns objetos de valor. Entristeceu-se, porém, não se irou. Lamentou aquele retrato da decadência humana. Uma mulher tão linda e estonteante, que poderia ser muito feliz, se tornara uma mulher vulgar e ladra.
Em casa, Carine chorou. Eliandro trouxe a sua mente a lembrança de uma vida que poderia ter sido muito boa e extramamente diferente da vida que estava vivendo. Lembrou de um Natal que convidou ele para passar em sua casa. Ele muito educado trouxe um presente para ela e para sua mãe e um vinho para seu pai. A noite foi divertida, com uma bela ceia, muita conversa e alegria. Por um instante vislumbrou um futuro com seu amigo. Viu-se casada em um apartamento no subúrbio, pegando os filhos na escola, esperando o marido pra jantar, indo à igreja aos domingos, almoçando na casa de seus pais e lá passando as tardes. De repente, um arrepio cortou seu corpo e veio um sentimento de aversão. Logo após a meia noite recebeu uma ligação de um paquera e marcou com ele que veio de carro pegá-la e os dois saíram. Ela lembrou que foi nesse tempo que começou a estudar para ter uma profissão. Tentou a carreira de modelo, buscou algumas agências sem nada conseguir. Começou a trabalhar no shopping como vendedora em uma loja de roupas, enquanto fazia um curso de comissária de bordo. Não se adequou a rotina de vendedora, acreditava que era melhor que aquilo ali e se demitiu. No curso, sua beleza logo chamou a atenção dos instrutores mas, também acendeu a inveja e a intriga das outras alunas. Teve dificuldades, principalmente nas aulas de língua estrangeira e após tirar notas baixas, desistiu. Nesse tempo conheceu aquela que acabou vindo a ser seu marido. Já tinha dezoito anos e com ele perdeu a virgindade. Ele era mais velho e possuía uma padaria e ela viu nele a chance de um bom casamento e de sair da casa de seus pais. Casou. Foram cinco anos de casamento e nesse tempo teve dois filhos. Porém, a padaria faliu e com ela o sonho de ser feliz num casamento. Viu seus filhos passarem necessidades. Expulsou seu marido de casa. Entrou na justiça para ele pagar uma pensão aos filhos e o impediu de vê-los enquanto ele não desse dinheiro. Buscou a ajuda dos pais que não aceitaram o divórcio por princípios religiosos. Sem ajuda de ninguém, seus pais só a ajudavam no que os netos precisassem, então ela se viu sozinha e abandonada. Conseguiu um emprego e começou a trabalhar para se sustentar, e como os filhos sentiam falta do pai e ela não tinha com quem deixar as crianças, passou a deixá-los com ele. Nesse tempo conheceu um senhor de idade, Mauro e foi morar com ele para dar uma casa e mais segurança e conforto aos filhos. Perdeu o emprego e com o tempo, a falta de amor por Mauro fez com que ela o traísse diversas vezes e não suportando mais ser tocada por um homem da idade do seu pai a quem não tinha amor, saiu da casa dele e o abandonou. Sem ter onde morar, conseguiu um novo emprego e foi dividir um apartamento com uma amiga e voltou a deixar os filhos durante a semana com seu ex marido. Nesse tempo passou a beber e frequentar rodas de pagode. Ainda era bonita e foi então que recebeu uma proposta de trabalhar numa termas, uma casa de prostituição, e aceitou e lá trabalhou por um tempo até que o pouco de escrúpulo que ainda lhe restara fizeram com que ela deixasse essa vida. Foi então que conheceu Carlos, estava carente, se apaixonou e acreditou que ele era o homem que poderia lhe salvar, só que ele era casado, mas lhe prometera deixar a esposa e ficar com ela, o que nunca fez e nunca faria e ela sabia disso, a iludiu e ela se deixou iludir, estava tão cansada e frustrada que ficou sem forças para reagir. Sentada no sofá de sua casa, pôs as mãos no rosto e voltou a si novamente, foi então que uma angústia profunda tomou conta dela. E Carine chorou.
Eliandro está em casa e o telefone toca. Ele atende e do outro lado Carine sorri e chama seu nome:
“Andro?”
Ele reconhece o som do seu sorriso e de sua voz.
“Oi, Carine, tudo bem?”
“Tudo!”
“O que você quer?” diz ele.
“Estou com saudade!”
Ele ri.
“É mesmo?!”
“É, e você?!”
“Não!” Ele retruca.
“Ah, não acredito?!” diz ela provocando.
Há um silêncio.
Ela então diz:
“Você não quer me ver hoje não?”
“Não!”
Novo silêncio.
“Poxa, aquela noite não significou nada?”
Ele então diz:
“Carine, a noite foi legal, mas não confunda as coisas! Foi só um momento! Além disso, eu tenho uma namorada e ontem nós voltamos e vamos nos casar.”
“Ah, é mesmo?! Então tá. Seja feliz!”. Diz ela com a voz em tom desanimado.
“Obrigado, se cuida! Beijo!”
“Tchau!”
“Adeus!”

Ele desliga e mais uma vez Carine chora. Carine chora o lamento de sua sorte. Carine chora a dor de seu infeliz destino. Carine chora sua triste vida. Carine chora a frágil flor de sua beleza. Carine chora as consequências de suas escolhas erradas. Carine chora seu arrependimento. Carine chora sua soberba insensatez. Carine chora pois, de todo seu sofrimento sempre lhe restará poder chorar!    


                           
Alex Gomes
13 agosto 2011

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