Um conto sobre morte


 Havia dois amigos, Alexandre e Bruna, grandes amigos e dessas pessoas que são tão iguais que, mesmo não sendo irmãos de sangue, o são de alma.
Bem, aconteceu que Alexandre necessitou viajar para trabalhar em uma cidade distante e ficaria ausente por dois anos. Bruna lamentou ficar distante do amigo, mas sabia que ao término o teria de volta. Consolou-se na certeza de que sempre há as modernas formas de comunicação que encurtam as distâncias e alentam a falta e a saudade.
Assim, seguiram-se os dias e a amizade permaneceu ligada por satélites. Porém, certo dia Alexandre ao ligar para sua amiga notou em sua voz um tom triste. Ela não quis, a princípio, dizer o que estava acontecendo. Por fim, confessou que estava doente, uma doença que somadas a outros problemas de saúde tornaram seu estado físico muito debilitado. Já havia procurado um médico e estava se tratando, porém, o caso era sério.
 Assim, se seguiram os dias e os dois amigos sempre se comunicando. Havia dias em que Bruna estava bem, alegre e expansiva, porém, havia outros em que a doença a deixava bastante desanimada.
Bruna já lamentava por seu estado e temia que seu organismo não fosse suportar e viesse a sucumbir e desfalecer. Ao relatar essa impressão ao amigo, ela o deixou preocupado fazendo-o se indignar. Ele então, disse que ela não poderia morrer antes que ele voltasse a vê-la, ela teria que aguentar, pois, queria encontrá-la bem quando voltasse da viagem, para estarem juntos.  
Como insistisse nessa previsão fúnebre, Alexandre fez um trato com a amiga. Era uma noite estrelada e no céu uma lua cheia brilhava, ele mandou que ela repetisse junto com ele uma oração, em que ficava acertado que ela suportaria e venceria toda dor e suplantaria a doença e seus sintomas até seu retorno. Bruna ainda tentou argumentar que todos nós um dia iríamos morrer de qualquer jeito e que se não fosse agora e por esta doença, um dia ela iria partir para cidade dos pés juntos por qualquer outro motivo. Ele contra argumentou que ela não morreria enquanto ele não voltasse, porque ainda teriam que se ver novamente e, em vida, se abraçarem. Ela riu. Ele sério, insistiu e ela acabou por concordar. Mandou que ela selasse aquele acordo com ele naquele instante, olhando juntos para lua no céu, e jurassem em uníssima voz uma oração que foi confirmada num amém. Assim fizeram e nesse instante ambos viram uma estrela cadente cruzar o céu. A mesma estrela foi vista por ela e por ele, mesmo a quilômetros de distância um do outro. Ele a notificou da estrela que viu e ela disse também a ter visto e ambos tiveram um arrepio e a certeza de que suas preces haviam sido atendidas.
Assim, seguiram-se os dias como antes. Havia dias bons e outros tristes. Dias em que ela estava bem e outros sofrendo pelos sintomas da doença. Aconteceu que um dia Alexandre recebeu uma ligação, viu o número e identificou ser de sua amiga, mas a voz do outro lado era de hómem. Estranhou e um súbito receio o tomou. Era Luciano, o marido de Bruna, que estava ligando para informar que sua amiga tivera uma crise forte na noite anterior vindo a falecer. Alexandre ficou atônito com a notícia. Surpreendido não acreditava que isso poderia estar acontecendo. Estava tão convicto de que sua amiga viveria ainda um tanto mais. Ficou mais perplexo que triste. Luciano disse que o velório e enterro estavam marcados para o dia seguinte a partir das 14:00 horas no cemitério próximo a casa deles. Alexandre garantiu estar presente e ainda lerdo deu os pêsames e desligou.
Deitou em sua cama, mas não conseguiu dormir. Estranhou não conseguir chorar e ficar triste. Algo o incomodava. De repente, ele ergueu-se da cama e trocando de roupa partiu para o aeroporto rumo de volta a sua cidade. Chegou ainda pela manhã e foi direto à casa de sua amiga. Lá encontrou parentes dela e foi direto até Luciano. Perguntou onde estava o corpo de Bruna. Ele informou que ainda estava no hospital, perguntou qual e foi correndo para lá. Luciano nada entendeu, ainda mais quando antes de sair, na frente de todos, Alexandre anunciou:
---- Senhores, lamento dizer, ou melhor, felicito-os em dizer que este enterro será cancelado, pois, o morto, digo, a morta não vai poder comparecer, ou melhor vai comparecer de corpo presente não para uma missa mas, para cerimoniar a vida!
Disse isso, e sem ficar para ver a reação das pessoas partiu para onde se encontrava o corpo de Bruna.
Chegando lá, por um golpe de sorte ou pelo descuido e desorganização do setor do hospital em que estava o corpo, logo, estava diante da mesa fria onde estava o corpo de Bruna. Por um momento teve receio de realmente ter perdido sua amiga. Pegou em sua mão gelada e dura e começou em voz altiva a confrontar o estado em que se encontrava. Refutava que ela não poderia morrer, pois juraram pelo céu, que ela o aguardaria retornar de viagem, dizia que certos acordos estabelecidos por duas almas irmãs não podem ser quebrados. Apertou mais forte a mão dela e mandou que ela acordasse. Qual não foi sua surpresa ao sentir um aperto em sua mão. Nisto um misto de espanto e regozijo o tomou, ainda mais quando Bruna abriu uns olhos arregalandos. Um sorriso despontou do resto dela ao ver o amigo, mas logo o espanto de o ver e de não saber o que estava acontecendo, a fez erguer-se assuatada. Alexandre a saudou e ela perguntou onde estava, se ali era um hospital? Ele não perdeu tempo e disse para ela vir com ele que depois explicaria tudo e ela, meio atônita e com um pouco de dificuldade, partiu com ele.
Seguiram de volta para casa dela e no caminho ele a situou de tudo que aconteceu. Chegando, qual não foi a surpresa de todos e principalmente de Luciano ao ver sua esposa viva. Mas depois de um estarrecimento inicial, logo veio a alegria e o alívio de todos.
No dia seguinte Alexandre pegou o avião de volta. Antes, porém, Bruna e ele conversaram sobre o inusitado ocorrido, a fantástica história de como a morte foi enganada ou enganou-se. Mas ainda restou uma dúvida para eles, a morte foi cancelada ou somente adiada, pois, lembraram que o trato foi que quando ele voltasse, ela poderia partir, e a doença ainda estava ali presente, a espreita. Bruna lembrou este fato, e recebeu de Alexandre um sorriso desdenhoso. Ela questionou por quê, e ele retrucou:
---- Lembra que o acordo era que você só poderia morrer depois que eu voltasse para te dar um último abraço? Pois bem, é só agente não dar esse último abraço! Ah, e tem mais, eu não te contei, mas estou pensando em ficar mais tempo onde estou!
Os dois sorriram!
Assim, seguiram-se os dias e Alexandre ainda demorou um tempo no interior, retornando somente anos depois. Os amigos puderam se reencontrar, sem abraço claro. Bruna ainda viveu muitos anos, vindo a morrer de velhice, depois de uma vida plena e de inteira felicidade. Sempre conversavam sobre a inesquecível história, ficando o mistério. O hospital alegou que o caso tratou-se de um fenômeno de catalepsia patológica. Mas os dois amigos ignoraram essa explicação e preferem acreditar no milagre da vez em que dois amigos enganaram a morte. Ou foi a morte que se enganou?
    
Alex Gomes
03 dezembro 2012

Nenhum comentário:

Postar um comentário